Viajar! Perder países!

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Solução para o futuro

Para esta crise nunca ter acontecido, para esta crise não tornar a acontecer (mesmo que utopicamente, enfim...) eu acredito que a solução seja uma democracia mais participada. Se formos todos mais críticos e mais exigentes não nos contentaremos com planos(?) a 4 anos ao ritmo das eleições, arranjaremos (de certeza!) formas de pôr a corrupção a contas com a justiça, conseguiremos lutar e atingir uma sociedade mais justa. Pelo menos era assim que eu gostaria que as coisas evoluíssem, ou pelo menos que se encaminhassem. Gostaria (e acho que tenho esse direito) de opinar sobre muitas questões e decisões.
Agora... não é possível trilhar este caminho sem uma sociedade informada (e formada). Que não seja tão demagogicamente manipulada. Que não consiga distinguir questões técnicas de políticas. Que não entenda que a xico-espertice é um semear ventos para colher tempestades.
Só há uma maneira de lá chegar: escolaridade, escolaridade, escolaridade. Temos algumas estatísticas vergonhosas no contexto dos nossos parceiros europeus: literacia (cerca de 20% de analfabetos, e já não falando dos funcionais); de abandono escolar (30% não concluem a escolaridade obrigatória, atenção!! ainda da antiga, referimo-nos ao 9º ano). Não é preciso continuar.
Então agora, com este lindo palmarés, há quem se atreva a sugerir cobrar o ensino secundário obrigatório!?
Num país com carências profundas de formação?
Podem fazer as reformas todas e mais algumas, podem avaliar os professores e escolas a raios X, podem culpar os suspeitos do costume. A uma criança com fome não se pode exigir aprender.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Viagem às crateras da Lua... e às luas de Júpiter.

Sidereus nuncius ou o mensageiro das estrelas. Livro de Galileu Galilei publicado no século XVII. Espanto ou não, foi na altura um best-seller, tendo-se esgotado as edições impressas com incrível velocidade!
A tradução portuguesa, que foi a minha mais recente viagem literária, é um livro muito interessante, sob diversos aspectos. Podendo esfriar os ânimos à partida, o livro propriamente dito é precedido de uma descrição, de nº de páginas semelhante ao do referido livro, que enquadra e contextualiza as descobertas de Galileu. Mas essa secção é fundamental para o que se segue.
Que Galileu foi um dos maiores cientistas, porque não dizê-lo, da História da humanidade, não é propriamente uma novidade. Não deixa contudo de ser engraçado ver o detalhe e o método com que ele descreveu as suas descobertas, considerando que se passou no princípio do século XVII.
Mas o mais engraçado de tudo é que é mais um exemplo do quão parecidas eram as pessoas nascidas há 400 anos com as de hoje em dia!
Pois as descobertas do Galileu envolveram polémicas de quem afinal tinha descoberto (várias coisas) primeiro, trocas mútuas de galhardetes em ambiente académico, invejas e um laborioso trabalho de lobby para conseguir financiamento para fazer as suas pesquisas. Neste caso os mecenas eram os famosos Médici... de tal forma que os satélites de Júpiter foram baptizados de "estrelas mediceias".
Não faltam também "acusações", subtis ou nem por isso, de que Galileu poderia ter-se aproveitado de alguns dos seus "acólitos" no sentido de se ter apropriado de algumas descobertas.
Esta não é uma crónica de mal-dizer sobre o Galileu. Após a leitura, não sofreu para mim um beliscadura o grande génio que ele terá sido. E algo de espantoso é que a ânsia de descobrir "transpira" por todos os "poros" das páginas, o que só poderia vir de um grande cientista.
Mas tudo o resto... como são impressionantes as semelhanças com os dias de hoje... é caso para dizer que qualquer semelhança será mera coincidência... ou talvez não!! 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A comunidade



Depois de um post sobre introversão e introspecção nada como reflectir um pouco sobre… a vida em comunidade.
É muito possível que aquilo que eu vou escrever não seja assim em várias situações. As aldeias, sobretudo as mais isoladas, têm certamente uma vivência comunitária muito diferente. Haverá por certo vários exemplos pontuais que funcionam. Mas na generalidade a nossa vivência em comunidade (e quando digo nossa, refiro-me à população portuguesa urbana) é francamente deficitária. O que é uma comunidade? De uma forma geral, será um conjunto de indivíduos que habitam o mesmo local, que frequentam os mesmos locais, que têm as mesmas vivências. Certamente que estas comunidades continuam a existir. O que desapareceu (ou quase) foi um certo tipo de vivência comunitária. Estes grupos de indivíduos têm obviamente interesses comuns. A troca de informação, o debate e a decisão em comunidade são muito importantes para ter uma posição representativa (e representada) sobre muitos assuntos. O que move as iniciativas comunitárias são precisamente estes interesses e assuntos comuns. Contudo, não se deve olhar para a comunidade só como uma “união faz a força”. Com o debate de opiniões e ideias pode-se conseguir uma posição mais activa e mais eficaz sobre os problemas que atingem as várias comunidades.
É também importante que nos sintamos pertença de um grupo. Afinal, a maior parte dos nossos problemas são comuns e têm soluções comuns. Atenção: não precisamos de ser todos os melhores amigos. Mas é preciso compreender que a força de uma comunidade é maior que a da soma dos seus indivíduos. E que a sua razão de existir é (ou deve ser) o bem comum de todos os indivíduos que lhe pertencem. Há vários sinais que evidenciam que a presente crise tem despertado as pessoas para a importância desta vivência comunitária. Mas isso por si só não é um indicador de empobrecimento. Na realidade, as sociedades mais desenvolvidas (com menores contrastes sociais) têm um forte sentido comunitário. Aí não é vergonha nenhuma utilizar artigos em segunda mão e ter como base um sistema de trocas para suprir variadíssimas necessidades. Uma vivência comunitária mais intensa não é aceitar ou assumir uma posição de caridade, nem uma afirmação política. É tão só uma atitude de inteligência, racionalidade e declaração de interesse em intervir nos problemas que nos afectam.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Introvertido, extrovertido, ou a falta de solidão de qualidade

A propósito de um pequeno filme sobre o poder dos introvertidos... Concordo que os extrovertidos estão sobre-valorizados e que a educação e o mundo profissional estão concebidos, ou acontecem, sobretudo a pensar neles. Digo isto sem rancor - quem vir o dito filme vê que a maioria das pessoas se situa numa área intermédia deste eixo introvertido/extrovertido... e eu acho-me uma dessas pessoas.
Nós somos animais sociais e como tal conviver é uma parte fundamental do nosso mundo. Sem dúvida. Mas acho que temos muita falta de solidão de qualidade. De silêncio de qualidade. Atenção, não confundir com a solidão dolorosa... não é nada disso.
A introspecção e o nosso conhecimento interior é necessária para que possamos também melhor conhecer e compreender os outros. É bom estarmos connosco próprios. E às vezes faz-nos tanta falta.


sábado, 10 de novembro de 2012

O Mostrengo

Tive o prazer de ouvir hoje, numa sessão de teatro-stand-up-comedy-poesia para crianças. Que funcionou muitíssimo bem. Poderia escrever muita coisa sobre O Mostrengo, mas não vale a pena. Soaria banal. A força e a profundidade destas palavras saboreia-se muito melhor com a sua leitura. Boas noites, e não sonhem com

O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse tremendo,

"El-Rei D. João Segundo!"
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"

E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as repreendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"

Fernando Pessoa


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Também nós somos poeira de estrelas

Hoje era o aniversário do Carl Sagan. Dono de uma imaginação furiosa, contou-nos e encantou-nos com os seus sonhos e esperanças de viagens no espaço, de seres extra-terrestres e sim, na esperança de um mundo melhor onde o Homem revelasse o melhor de si. "Também nós somos poeira se estrelas" é uma frase de sua autoria, aqui traduzida para português, uma das frases mais bonitas deste universo ciência-divulgação, que vai até às nossas origens, que nos faz pertença de um grande ciclo, e que nos revela de onde vem o nosso brilho. Os divulgadores de ciência são muitas vezes tratados como o seu parente pobre; como se a ciência só fosse séria se só quem a faz a entenda. Felizmente que há jovens promissores cientistas que resolveram seguir essa via, que aceitaram o desafio de transmitir aquilo que afinal nos pode fazer sonhar com amanhãs mais felizes.
Parabéns Carl Sagan; fizeste mais por várias gerações de cientistas e de amantes da ciência e sua ficção que muitas aulas e artigos.  

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Viagens à roda de casa

Não sou uma dona de casa, não gosto de ser dona de casa, nunca serei uma dona de casa. A nossa casa é o nosso refúgio, onde sabe bem estar sozinho ou acompanhado, sentado no sofá ou no chão, a olhar pela janela ou a respirar fundo na varanda. Mas a vida não se resume à nossa casa, ar livre é absolutamente essencial! A cada canto vê-se o brilho do pó, há uma peça de roupa fora do lugar, um brinquedo que se põe sempre debaixo dos nossos pés, um bago de arroz ou um fio de massa aparecem nos locais mais impensáveis!
Não me interessam as técnicas de tirar nódoas, só quero saber das promoções por pura necessidade, desprezo as melhores marcas de detergentes, não quero comprar revistas de culinária nem de pedagogia, a roupa não precisa de ser passada a ferro, boas maneiras são essencialmente o respeito pelo próximo. O futebolista, a flaminga e o ursinho, juntamente com o Han Solo, são a minha mais profunda razão de ser e estar, o amor incondicional pelos filhotes é mesmo verdadeiro, mas o aquilo que verdadeiramente me interessa é estar com eles, falar com eles, brincar com eles, dar-lhes a mão nas suas descobertas, ou então não, se assim o não quiserem, disponibilizar o meu ombro para todas as ocasiões. É isso.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Viagens digitais

Concentrada a fazer a compilação de dados de vários concelhos do interior norte de Portugal, deparo-me com alguma familiaridade nos nomes das freguesias... Sim, efectivamente eram nomes que conhecia de ginjeira, mesmo de cor, tal como conhece de ginjeira dos nomes das estações de metro ou de comboio quem usualmente neles viaja...
No entanto, embora já tenha viajado algumas vezes para esta zona, não a conheço tão aprofundadamente de forma a saber tão bem os nomes das freguesias... Com algum esforço para chegar aos confins do cérebro lá encontrei a explicação: um trabalho que tinha feito poucos anos antes e que também incluia uma caracterização da região. É no que dá tantas viagens digitais...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Viagens para quando?



Estou sempre a pensar nos sítios onde gostava de ir. E a acrescentar novos locais a essa lista mental. A fazer correcções e alterações desde que apareceram o futebolista, a flaminga e o ursinho. A maior parte das viagens mais longas, e forçosamente de curta duração, têm sido apenas para mim e para o Han Solo, por um lado por razões de orçamento, por outro porque eles ainda são pequenitos para apreciarem determinados tipos de viagens. E ainda porque, vistas bem as coisas, são das poucas oportunidades para termos algum tempo de qualidade a dois.
Mas estou sempre a sonhar com sítios onde gostaria de ir com eles. A planear quando já estarão aptos para isso. Para ser agradável para nós e para eles.
Agora com toda esta crise generalizada, em que ninguém sabe até quando terá emprego, em que mentalmente muitos se preparam psicologicamente para apertar o cinto (ainda mais do que já foi apertado) às vezes dou por mim a pensar quando, mas quando conseguirei viajar com eles? E como?
Não deixa de ser estranho, uma espécie de construção de casa a partir do telhado. Pois se há tantas outras coisas tão mais prioritárias que há a preocupação de manter. Mas esse espírito de viajante, talvez numa espécie de manobra piedosa para limitar outras preocupações, continua a imiscuir-se nos meus pensamentos, a passar à frente de reflexões mais terra-a-terra, insistentemente: quando iremos, quando iremos? Qual a melhor altura? Para ficar onde? Debaixo de telhado ou debaixo de pano (tenda)? Uma espécie de diabinho (de avião, de carro? Em Portugal, em Espanha?) que esvoaça à volta da minha cabeça, empurrando o anjinho (deve ser feito o máximo de poupança para as escolas, para as comidas, para as roupas, não sabemos o dia de amanhã…) para onde este não pode ser ouvido.
Ahhh… felizmente que os sonhos e a imaginação não têm limites… e não pagam imposto! (por enquanto...)

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Halloween

É um facto, o Halloween nada me diz. Nadinha. É um evento de que só me apercebi, em terras lusas, nos últimos anos. Na minha infância e juventude o Halloween era apenas uma festa longínqua que os norte-americanos festejavam (e da qual sabíamos pelas séries e filmes).
Não tenho nada contra o imaginário em causa - fui aliás uma fervorosa leitora das Brumas de Avalon na minha adolescência. Mas é uma coisa tão... importada que me passa totalmente ao lado. Às vezes são os pequenos que nos puxam para "novas tradições", mas por acaso por aqui nem eles são muito ligados ao acontecimento. Na escola dos mais novos a lembrança nesse dia ainda se chama pão por Deus. Apesar de eu não ser também muito ligada a essa tradição pelo menos é mais nossa - e recorda os tempos difíceis em que o pão por Deus dava um acréscimo relevante aos bens alimentares muitas vezes tão limitados. Realidades distantes que às vezes reconquistam actualidade. Mas hoje ninguém tocou a pedir pão por Deus. Nem tricks or treats.