Viajar! Perder países!

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Fernando Pessoa

domingo, 16 de dezembro de 2012

Viagem... literária ao Japão das gueixas

Hoje tive o raro privilégio de ter uma ou duas horitas só com o ursinho cá em casa (a dormir) e em parte do tempo pude deleitar-me no sofá a ler um livro, mais que os 10 minutos habituais ao deitar. Aqui há uns anos atrás passava horas seguidas a ler e era tão, tão bom. Hoje foi óptimo aquele bocadinho.
A minha actual viagem literária são as "Memórias de uma gueixa". Já tinha o livro em casa há um tempo (acho que nem é meu) e não me despertava interesse por aí além. Mas após acabar o "Sidereus Nuncius" achei que era tempo de algo mais ligeiro e lá embarquei nesta viagem. Está já perto do fim e é interessante saber mais sobre as gueixas, efectivamente. O Japão (e essa zona do globo, em geral) é realmente algo de muito diferente da nossa cultura. As cabeças das suas gentes estão arrumadas de forma muito diferente e olham para tudo de maneira diferente, sem sombra de dúvida que é assim. E há que ceder à tentação da comparação constante e de se achar que "aquilo não faz sentido". Há muito tempo lembro-me de um professor numa aula dizer que "o europeu era essencialmente pragmático e individualista; ao ser-lhe posta uma questão o seu instinto levava-o a responder logo negativa ou afirmativamente e seguidamente apresentar a sua justificação. O asiático ponderava cuidadosamente os prós e contras e salientava desvantagens e vantagens. Não era para ele muito relevante mencionar acordo ou desacordo mas as correntes contrárias em jogo. Ao observar as minhas próprias reacções identifiquei-me 100% europeia. Por todas as razões, só me fará bem mais informação sobre outras culturas! Sem perder a identidade, ganhar em compreensão.
Ora sobre este universo das gueixas, é difícil abstrair-me do facto nu e cru de que se tratavam de crianças que desde de tenra idade eram treinadas para "entreter" homens e viver mais tarde à sua custa; não muito diferente de "alta" prostituição (embora num universo mais amplo e complexo). Não pretendo ofender a cultura e não é com preconceito que faço esta afirmação; mas é inegável o paralelismo à luz da nossa cultura...
Mas pensando um pouco mais a fundo, na verdade não é isso que é mais relevante. Num sentido lato, na nossa cultura não há tantas mulheres a viver à custa de homens, ou tentando às suas custas obter muitas vantagens? Claro que sim.
O âmago da questão é que este universo das gueixas é mais um testemunho da subjugação feminina e da masculinização da sociedade, mais uma marca da exploração profunda sofrida pelas mulheres, em tantas épocas, em tantos países. Porque terão as sociedades evoluído assim? É o Homem (a humanidade, homem e mulher!) incapaz de se organizar sem tiranizar? E porque foram as mulheres objecto privilegiado desta tirania mundo fora, séculos fora? Que feridas e cicatrizes (psicológicas, e profundas) guardam ainda as sociedades ditas desenvolvidas (já para não falar nas outras) cujos frios indicadores matemáticos confirmam desde há tempo a igualdade entre sexos?

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